
Discurso Jornalístico
Ana Clara Pina (UFF)
Cassidy Lima (UFF)
Marianna da Silveira (UFF)
O discurso jornalístico, sob a perspectiva teórica da análise de discurso materialista, comparece no âmbito da tese “O comunismo imaginário; práticas discursivas da imprensa sobre o PCB”, defendida no Instituto de Estudos de Linguagem da Unicamp, em 1996, pela professora Bethania Mariani. Publicada em livro em 1998, a tese analisa o funcionamento discursivo de notícias a respeito do Partido Comunista Brasileiro (PCB), desde o ano da sua criação, em 1922, até a redemocratização brasileira, em 1988, com circulação em diferentes jornais, a saber: “O País, Correio da Manhã, Diário Carioca, O Globo, Jornal do Brasil e O Dia” (1998, p. 10), de modo a analisar como e quais sentidos são constituídos e colocados em circulação por esses veículos de imprensa acerca da memória e do imaginário dos comunistas e do partido comunista no Brasil.
O discurso jornalístico se representa como o veículo de verdades que falam por si. É tanto uma prática social produtora/institucionalizadora de sentidos como também, direta ou indiretamente, veiculadora das várias vozes constitutivas de um imaginário. Ao discurso jornalístico atribui-se a objetividade, a imparcialidade e a veracidade da informação, produzindo (não exclusivamente apenas por este viés) a impressão de que o acontecimento narrado/descrito de fato ocorreu daquele único modo.
Bethania Mariani define que o discurso jornalístico exerce um papel importante na produção e circulação de consensos de sentido na formação social brasileira. O discurso jornalístico apresenta o inesperado — aquilo que ainda não tem memória — ou o possível/previsível, que são fatos que guardam semelhanças com acontecimentos anteriores. Dessa forma, organizamos filiações de sentidos possíveis para o acontecimento, não apenas em termos de memória, mas também em relação aos desdobramentos futuros. Assim, o discurso jornalístico “contribui para a constituição do imaginário social e a cristalização da memória do passado, bem como para a construção da memória do futuro” (Mariani, 1998, p. 61).
Mariani ainda afirma que o discurso jornalístico atua de forma semelhante ao discurso pedagógico em sua versão mais autoritária, já que faz crer que apresenta os fatos como eles são, sem subjetividades. No discurso jornalístico, “mascara-se um apagamento da interpretação em nome de fatos que falam por si. Trata-se de imprimir a imagem de uma atividade enunciativa que apenas mediatizaria — ou falaria sobre — da forma mais literal possível um mundo objetivo” (1998, p. 62). O didatismo presente no jornalismo, “mais do que ‘fraturar’ a informatividade dos relatos, atua no sentido de fortalecimento — enquanto explicação do mundo — a ilusão de objetividade jornalística” (Mariani, 1998, p. 62). Dessa maneira, cria-se o que a autora, em pesquisas mais recentes, apontou como o efeito ilusório de que o jornal é responsável apenas por uma transmissão objetiva de informações, resultando em “vários efeitos constitutivos dos sentidos veiculados como informações jornalísticas: objetividade, neutralidade, imparcialidade e veracidade” (Mariani, 2006, p. 33-34).
Em 2017, Raphael de Morais Trajano, em artigo intitulado A materialidade significante da musicalidade: uma proposta de teorização, metodologia e análise discursiva, busca analisar, à luz da Análise do Discurso de base materialista, concepções iniciais do que designou como materialidade significante da musicalidade. Foram trazidos teóricos para pensar em que consiste a música: língua ou linguagem? A música, enquanto linguagem, segundo o autor, passa por uma reflexão pela Análise do Discurso, já que, na linguagem musical, materializam-se discursos. Os sentidos do discurso passam pela relação existente nas diferentes materialidades significantes: ritmo, melodia, som, suportes tecnológicos, instrumentos e tudo o que envolve o contexto sócio-histórico de produção musical.
Em 2023, Ana Cláudia de Moraes-Salles e Olímpia Maluf-Souza, no artigo A materialidade fílmico-significante em Her: na (des)corporeidade dos sentidos, buscou trazer, por meio de reflexões teóricas no campo da Análise do Discurso de base materialista, a materialidade fílmico-significante por meio de um recorte do filme de ficção científica Her (2013), especificamente a relação sexual entre um homem e um sistema operacional. A relação entre a paleta de cores utilizada nas cenas, juntamente com o som, produz efeitos de sentido por meio do verbal, do não-verbal, assim como da ausência e da presença de elementos visuais e sonoros, do silêncio e do escuro, trazendo representações de diferentes materialidades significantes no discurso fílmico.
Referências
MARIANI, B. Sentidos de Subjetividade: Imprensa e Psicanálise. In: Polifonia, [S. l.], v. 12, n. 12(1), 2006. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/polifonia/article/view/1078. Acesso em: 8 out. 2024.
MARIANI, Bethania. O PCB e a imprensa: os comunistas no imaginário dos jornais. Campinas, Rio de janeiro: Revan & Ed. da Unicamp, 1998.
MARIANI, Bethania. Os primórdios da Imprensa no Brasil (ou: de como o discurso jornalístico constrói memória). In: ORLANDI, Eni P. (org.) Discurso fundador: a formação do país e a construção da identidade nacional. São Paulo, Pontes: 1993.