
Discurso Jornalístico Alternativo
Fernanda Lunkes (UFSB)
Giovanna Benedetto Flores (Pesquisadora Independente)
Os consolidados estudos filiados à Análise de Discurso de base materialista dedicados à compreensão do funcionamento do discurso jornalístico, especialmente da mídia tradicional e hegemônica – o estudo de Mariani (1998), nesse sentido, é exemplar [i] –, deram condições para que emergissem pesquisas interessadas pelo funcionamento do discurso jornalístico alternativo.
Conforme Indursky (2017, p. 81), o discurso jornalístico alternativo “vem resgatar o efeito de sentido de liberdade de expressão”. A autora volta sua reflexão especialmente à força de circulação das mídias alternativas advinda dos meios digitais proporcionados pela internet, e podemos partir dessa tomada de posição para marcar esse funcionamento do discurso jornalístico alternativo em diferentes condições de produção, conforme veremos.
Retomando a conjuntura brasileira dos anos 1970, durante o regime militar, destacamos os jornais alternativos feministas, que mobilizam diferentes reinvindicações relacionadas às mulheres e ao feminino (trabalho, saúde, sexualidade, casamento, maternidade, direitos), produzindo rompimentos, deslocamentos, resistências (entre outros efeitos de sentidos) em torno do imaginário e das práticas vinculadas ao feminino e às mulheres que circulavam na mídia tradicional. Desse modo, os jornais alternativos faziam comparecer temas e pautas sobre os quais a mídia tradicional assumia uma política de silenciamento (Orlandi, 2002). Conforme explica Indursky,
As vozes silenciadas e represadas no interdiscurso […] encontram no jornalismo alternativo condições de produção favoráveis para fazer circular suas tomadas de posição e, deste modo, os sentidos silenciados pelas mídias tradicionais, por serem incompatíveis com os saberes de sua formação discursiva, retornam e encontram seu espaço de inscrição nas mídias eletrônicas (Indursky, 2017, p. 81).
No período da ditadura militar, o discurso jornalístico alternativo possibilita a emergência da circulação de dizeres silenciados pela repressão, inscrevendo uma narratividade distinta daquela construída pela mídia tradicional e produzindo efeitos de suspensão e questionamento dos sentidos (im)postos como evidentes e consensuais no discurso dominante, no qual se inscreviam o regime militar e a mídia hegemônica, como, por exemplo, a Folha de São Paulo, que participou ativamente na repressão aos militantes de esquerda. Durante esse regime, o discurso jornalístico alternativo possibilitou a inscrição de outros gestos de interpretação, como de denúncia em relação à crueldade, à tortura e à barbárie (im)postas pelos militares ao povo brasileiro, principalmente contra quem lutava pela democracia e reivindicava o fim da repressão.
As possibilidades de circulação angariadas pela tecnologia dão mais força ao discurso jornalístico alternativo, cuja vigorosidade nos efeitos de sentidos de oposição, subversão, deslocamentos, resistência, conforme já frisado, estiveram presentes desde que o jornal impresso era a efetiva possibilidade de promover a circulação de jornais alternativos, os quais circulam desde o século XIX – conforme apontam Riffel e Flores (2022) em compreensão da historicidade dos jornais alternativos.
Riffel e Flores (2023) analisam o funcionamento do discurso jornalístico alternativo e apresentam seus segmentos: a) Jornalismo popular alternativo (ou de base popular); b) Jornalismo alternativo colaborativo (de informação geral ou especializada); c) Jornalismo alternativo autônomo; d) Jornalismo político-partidário; e) Jornalismo sindical. Todos esses segmentos, na esteira do estudo das autoras, podem ser compreendidos como veículos “que constituem espaços de dizer, pondo em circulação sentidos, possibilitando que os sujeitos jornalistas e leitores produzam posicionamentos diversos que não os da mídia de referência” (Riffel; Flores, 2023, p. 35).
No trabalho de Flores, Lunkes e Neckel (2025, no prelo) encontramos um gesto analítico que decompõe os gestos de interpretação postos a circular no/pelo discurso jornalístico alternativo. De acordo com as autoras,
Considerando, assim, as condições de produção, os jornais alternativos apostam em diferentes demandas: a) uma demanda pelo dizer, que inscreve efeitos de luta e resistência ao não silenciar frente às práticas de tortura e barbárie produzidas pelo Estado; b) uma demanda coletiva pelo comparecimento, na prática jornalística, da inscrição de outros sentidos desse período socio-histórico marcado pela ditadura, em uma posição de antagonismo aos silenciamentos produzidos na mídia tradicional. Uma luta, uma disputa pela/da memória e pelo não esquecimento/desaparecimento; c) uma demanda, consequente das anteriores, relacionada à aposta por um deslocamento, ou mesmo uma transformação social, que impeça a repetição do horror e da barbárie (Flores; Lunkes; Neckel, 2025).
Em 2017, Raphael de Morais Trajano, em artigo intitulado A materialidade significante da musicalidade: uma proposta de teorização, metodologia e análise discursiva, busca analisar, à luz da Análise do Discurso de base materialista, concepções iniciais do que designou como materialidade significante da musicalidade. Foram trazidos teóricos para pensar em que consiste a música: língua ou linguagem? A música, enquanto linguagem, segundo o autor, passa por uma reflexão pela Análise do Discurso, já que, na linguagem musical, materializam-se discursos. Os sentidos do discurso passam pela relação existente nas diferentes materialidades significantes: ritmo, melodia, som, suportes tecnológicos, instrumentos e tudo o que envolve o contexto sócio-histórico de produção musical.
Em 2023, Ana Cláudia de Moraes-Salles e Olímpia Maluf-Souza, no artigo A materialidade fílmico-significante em Her: na (des)corporeidade dos sentidos, buscou trazer, por meio de reflexões teóricas no campo da Análise do Discurso de base materialista, a materialidade fílmico-significante por meio de um recorte do filme de ficção científica Her (2013), especificamente a relação sexual entre um homem e um sistema operacional. A relação entre a paleta de cores utilizada nas cenas, juntamente com o som, produz efeitos de sentido por meio do verbal, do não-verbal, assim como da ausência e da presença de elementos visuais e sonoros, do silêncio e do escuro, trazendo representações de diferentes materialidades significantes no discurso fílmico.
Referências
FLORES, Giovanna B.; LUNKES, Fernanda L.; NECKEL, Nádia. Corpo Da/De Mulher No Discurso Jornalístico Alternativo: Entre Tensões E Interdições, Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, SC, v. 25, p. 1-XX, 2025. e-1982-4017-25-XX. (no prelo)
INDURSKY, Freda. O momento político brasileiro e sua discursivização em diferentes espaços midiáticos. In: FLORES, Giovanna Benedetto et al. (org.). Análise de discurso em rede: cultura e mídia. Campinas: Pontes, 2017, v. 3, p. 73-87.
RIFFEL, Cristiane, FLORES, Giovanna B. Sentidos de independente no/do discurso jornalístico alternativo no digital. In: DELA-SILVA, Silmara; LUNKES, Fernanda; CARNEIRO, Ceres (org.). Mídia e(m) discurso: percursos de pesquisa. Campinas: Pontes, 2023, v. 2, p. 35-54.
[i] Sugerimos a leitura dos verbetes dispostos no Inventário relacionados ao trabalho de Mariani (1998), quais sejam, “discurso sobre”, “narratividade”, “equação linguística”, “imaginário”