
Equação Linguística
Fernanda Lunkes (UFSB)
Silmara Dela Silva (UFF)
Ceres Carneiro (UERJ)
A noção de equação linguística foi cunhada por Bethania Mariani [1] em sua tese de doutorado (1998) intitulada “O comunismo imaginário: práticas discursivas da imprensa sobre o PCB (1922-1989). Em seu percurso de pesquisa, a autora se dedica à análise discursiva de um corpus constituído por notícias sobre o Partido Comunista Brasileiro (PCB) nos seguintes jornais: O País, Correio da Manhã, Diário Carioca, O Globo, Jornal do Brasil e O Dia. O recorte temporal contempla o ano de fundação do PCB, em março de 1922, até a primeira eleição direta para presidente da República do Brasil após o fim do regime militar, em 1989.
A autora depreende do discurso jornalístico-político um funcionamento relacionado à produção de evidências em torno de uma relação estreita cujos fios discursivos, nas palavras da autora, “trançam o predomínio de certo sentido” (Mariani, p. 15), qual seja, o comunista alçado enquanto grande inimigo. Esse movimento no discurso é apontado pela autora como uma ““equação linguística” – “comunista = inimigo” -, a qual fixa um “lugar do mal” na história do Partido no Brasil, na forma como foi apresentada pela imprensa não-partidária” (p. 15).
A “equação linguística” se relaciona aos saberes que circulam tão abundantemente em determinadas formações discursivas, fazendo alguns sentidos colarem de tal forma que funcionam como uma “equação”, termo definido no dicionário Oxford Languages [2] como “redução de uma questão, um problema intrincado, a pontos simples e claros, para facilitar a obtenção de uma solução”. Na “equação linguística” uma ‘questão’ é dada como solucionada à medida que fecha (ou tenta fechar) um sentido para determinado signo linguístico (ou locução) ao produzir um efeito de equivalência com outro(s) signo(s) (ou locução) no interior de uma determinada formação discursiva.
Em sua tese de doutorado, intitulada “A Homossexualidade e a AIDS no Imaginário de Revistas Semanais (1985-1990)” (2006), Alexandre Soares [3] busca compreender e situar os processos de significação da homossexualidade e da AIDS. Para tanto, o autor elege como objetos de análise as revistas semanais Veja, Istoé e Superinteressante, estabelecendo um recorte temporal específico (1985-1990).
Nesse trabalho, o autor explica como compreende a noção de equação linguística:
Chamo de equação linguística, locução cunhada por Mariani (1998: 18), para designar a equivalência de sentidos (no caso da homossexualidade, negativos) entre duas ou mais expressões produzidas e recorrentes no interior de uma determinada formação discursiva a partir de certas condições de produção de sentido. (Soares, 2016, p. 50).
A noção é mobilizada em vários momentos da pesquisa a fim de situar os gestos de leitura do autor acerca das evidências produzidas, por exemplo, nos discursos religioso e médico em torno do sujeito na posição homossexual, depreendendo a seguinte equação linguística: “homossexual = pervertido + promíscuo” (p. 49), naturalizando um sentido sobre o homossexual que fez a AIDS significar, durante a década de 1980, como “coisa de gay” ou “peste gay”. De acordo com autor, é uma equação linguística cujos enlaces nos/entre os sentidos postos em jogo persistem. O autor estabelece ainda outras “equações linguísticas”: “ser homossexual e estar contaminado é uma equação linguística que se retoma a todo instante” (p. 66); “homossexual = portador do vírus” (p. 139); “homossexual = palhaço, anormal, pecador, promíscuo, doente” (p. 68); “Todos os cabeleireiros = homossexuais que são = promíscuos que são = portadores do vírus HIV” (p. 88); “ser bombeiro = não ser homossexual, que é = não correr o risco de ser portador do vírus” (p. 88); maior liberdade homossexual = maior número de portadores da doença, portanto, menor liberdade homossexual = menor incidência do vírus (p. 92); “morrer de AIDS = revelação: revelação de uma conduta incompatível com os princípios morais cristãos” (p. 95); “homossexual = irresponsável” (p. 97); “Beijo entre pessoas do mesmo sexo = espetáculo de imoralidade” (p. 105).
Fernanda Lunkes [4], ao se referir em sua tese (2014) ao “imaginário de felicidade”, mobiliza a noção de “equação linguística” para dizer da equivalência “ser feliz = ser saudável” e “sujeito melancólico=pecador”, entendidos como sentidos recorrentes em determinadas formações discursivas.
A noção de equação linguística pode ser bastante produtiva nos estudos discursivos. Destacamos sua mobilização a partir de gestos de leitura voltados a diferentes marcas linguísticas, tais como:
a) processos de designação;
b) processos de adjetivação;
c) processos de textualização – como as predicações.
As análises mobilizadas demonstram, para retomar Mariani (1998), que a potência dessa noção reside no efeito de consensualidade produzido em torno do que se está falando (determinada posição sujeito, grupo, entre outros temas possíveis), produzindo um sólido enlaçamento entre as relações de sentidos estabelecidos pela retomada de uma memória discursiva. Equivalências tão saturadas que fazem parecer com que determinados sentidos, ao se sobreporem a outros, já se encontrassem sempre lá.
Equação linguística retoma um primeiro gesto de inventariar essa noção teórica, apresentado em:
DELA-SILVA, Silmara; LUNKES, Fernanda; CARNEIRO, Ceres. Discurso e mídia e(m) inventário digital: uma pesquisa em movimento. In: FLORES, Giovanna B. et al (Orgs.). Análise de discurso em rede: cultura e mídia. Vol. 6. Campinas-SP: Pontes Editores, 2023. p. 347-362.
Referências
[1] MARIANI, B. S. C. O comunismo imaginário: práticas discursivas da imprensa sobre o PCB (1922-1989). Tese de doutorado, UNICAMP, 1998. Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/115379
[2] (https://languages.oup.com/google-dictionary-pt/)
[3] SOARES, A. S. F. A homossexualidade e a AIDS no imaginário de revistas semanais (1985-1990). Tese de doutorado, UFF, 2006. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/18230?show=full
[4] LUNKES, F. L. O discurso sobre depressão na revista veja (1968-2010) em materialidades verbais e não-verbais: o triunfo dos efeitos de sentidos de medicalização. Tese de doutorado, UFF, 2014. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/10355